quarta-feira, 6 de maio de 2009
O resto é ruído
[Mahler e Strauss à saída da ópera de Grätz em Maio de 1916 numa fotografia de Gilbert Kaplan]
Alex Ross é crítico de música na New Yorker e, em 2008, foi seleccionado "MacArthur Fellow".
Para quem não sabe, os MacArthur Fellowships são atribuídos anualmente pela MacArthur Foundation sob a bastante esclarecedora estratégia de comunicação "Out of the Blue — $500,000 — No Strings attached". Ou seja, todo os anos, entre 20 e 30 pessoas recebem quinhentos mil dólares, sem qualquer compromisso que não seja continuarem a ser eles mesmos. Naturalmente, todos são escolhidos pela sua criatividade e originalidade bem como pelo seu potencial para contribuírem de forma importante para o futuro (sic). Desde 1981 até 2008 foram seleccionados 781 "Fellows" e na longa lista encontramos nomes como Merce Cunningham, Thomas Pynchon, Ornette Coleman, Bill Viola, Mark Strand, Harold Bloom, Susan Sontag, entre outros ilustres mais e menos conhecidos. Desconheço se existe algum estudo sobre o impacto deste programa, mas parece-me óbvio que a taxa de sucesso deverá ser bastante inferior a 100%. Os actos falhados serão seguramente compensados pelos casos de sucesso que serão o equivalente à lotaria de Natal, com a única diferença que a sorte não é um factor determinante.
Alex Ross é um caso de sucesso: para além de reconhecido crítico musical, escreveu em 2007 o livro que me vai ocupar nos próximos tempos: "The rest is noise, Listening to the Twentieth Century". Uma história da música do Século Vinte parece uma tarefa impossível para 600 páginas, mas o livro inicia com um daqueles eventos que marcam a História dos homens e deixa adivinhar que as restantes páginas se irão suceder com o mesmo ritmo que as primeiras 50. Em 16 de Maio de 1906 Richard Strauss dirigiu, pela segunda vez, a sua ópera maldita, Salome, cujo libreto é baseado na peça de Oscar Wilde, na cidade austríaca de Gräz pois os censores imperiais não permitiram que o fizesse em Viena. A esta cidade confluíram personalidades tão importantes para a história da música como Gustav Mahler, Giacomo Puccini, Arnold Schoenberg, Alexander Zemlinsky, Alban Berg e, espantem-se, Adolf Hitler, então com dezassete anos. Segundo Alex Ross, Hitler teria confidenciado mais tarde ao filho de Strauss que tinha pedido dinheiro emprestado a familiares para fazer a viagem, mas a sua presença é, no entanto, apresentada como uma mera hipótese. Factos à parte, esta récita fundadora é o ponto de partida para uma viagem que apenas terminará com os ainda recentes anos 90 do século passado.
Quando a Salome foi apresentada pela primeira vez em Nova Iorque, depois da perturbante dança dos sete véus a filha de JP Morgan fez com que os restantes espectáculos fossem cancelados. Em baixo podemos ver uma récita na Opéra de Paris, em 2003, 96 anos depois de Nova Iorque, em que a conhecida soprano Karita Mattila se despe no final da demoníaca e sensual dança. A história da música, como a nossa história, é feita destas contradições.
Como todos sabemos, no final, Herodes manda matar Salome depois desta beijar os lábios da cabeça de João Baptista que lhe foi entregue numa bandeja de prata.
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